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“ALMAS DAS RUAS”: ENCANTAMENTO E NOSTALGIA

Logo vistas nas redes sociais as imagens remetem encruzilhadenses à nostalgia . As obras “O Carteiro, A Benzedeira e o Vendedor de Sonhos”, da artista filha da terra, Gisele Sperb, foram publicadas por ela no seu portfólio on-line. E ao circular pela internet trouxeram à tona nítidas lembranças aos que já cruzaram com os personagens e reconhecimento, aos que conhecem ao menos um pouco da história de Encruzilhada do Sul.


Gisele Sperb, 58 anos, natural de Encruzilhada do Sul, é escriturária aposentada e artista plástica. Ela é filha de Zigomar Sperb - foi vereador em 1974, e era proprietário da Farmácia Sperb nos anos 60/70, e Salomé Teixeira Sperb, ambos naturais de Encruzilhada.


“Sou a caçula de 7 filhos. Em 1975, aos 12 anos, perdi meu pai em um acidente de automóvel, nesse período, talvez como refúgio, me dediquei a desenhar e pintar, era o meu jeito de falar. Minha infância foi maravilhosa, brincava na rua com meus amigos, primos e minha irmã Leonara até o anoitecer,” conta Gisele.


A artista estudou até a 4ª série, no então Grupo Escolar Barão do Quaraí, 5ª a 6ª série na Escola Borges de Medeiros, da 7ª a 8ª série foi no Ginásio Estadual e o segundo grau Escola Estadual Gomercinda Dornelles da Fontoura (1979). Como lembranças da juventude, tomar chimarrão na praça com os amigos, frequentar a “Cratera” nos finais de semana e jogar vôlei com a turma da AABB é o que carrega de forma mais evidente na memória.


Gisele Sperb

“Em 1980, iniciei Ciências Contábeis na UNISC, porém logo abandonei o curso. Em 1985, comecei a trabalhar no Banco do Estado como escriturária até me aposentar. Trabalhar no banco ocupava quase todo o meu tempo, me afastando da pintura”, comentou, acrescentando que morou até os 26 anos em Encruzilhada do Sul.


“Em 1989, mudei para a cidade de Pelotas e continuava trabalhando no banco, o sonho de pintar ficava cada vez mais distante. Quando me aposentei, decidi cursar artes visuais na UFPel 2015-2018, e desde então me dedico à pintura retomando o sonho de criança. Mudei para Porto Alegre em 2019. Em 2020, em plena pandemia, publiquei um livro, no qual discorro sobre o meu processo criativo, sob o título “A epifania no processo criativo: quando o tempo é outro”, e segui na pintura.”


AS OBRAS


Gisele conta que em meio a produção de retratos, pintava amigos, familiares, quando percebeu que parte deles já não viviam mais, eram memórias carregadas de afeto. “Neste momento, minhas memórias de infância na minha terra natal se intensificaram, dando início à pesquisa para a série “Almas das ruas”, primeira obra dedicada a Encruzilhada.”


“Tenho a percepção de que meu trajeto passado, não apenas no que se refere ao interesse quando ainda criança sobre as tintas, mas também no que tange todas minhas escolhas experienciais, foram e são fontes que norteiam meus processos artísticos atuais. Memórias distantes de agora, mas vivas em mim e na comunidade onde nasci, Encruzilhada do Sul. Ao meu ver, suas ruas tinham almas, e são estas que me interessam. Tio Nabuco, "o vendedor de sonhos" da Dona Malvina; Tia Pretinha, “a benzedeira” e amante do carnaval; Seu Florindo, “o carteiro”, querido por todos pela sua seriedade e dedicação ao seu ofício, são algumas das figuras carismáticas de Encruzilhada. Estas figuras vivas na memória de nós encruzilhadenses, agora estão eternizadas em pinturas.”


O projeto foi pensado para 8 personalidades, Gisele confessa que está com dificuldades de conseguir fotografias das “almas” que elencou, mas a pesquisa continua. “Tenho tido apoio de amigos na busca dessas imagens. A fotografia é minha referência no ato da pintura, então é essencial. Não posso apresentar quais serão as próximas ”almas”, porque ainda é uma pesquisa em andamento.”


Segundo a artista, as pinturas da série são retratos nos quais as figuras sem contorno são apenas sugeridas, remetendo às obras finais de Paul Cèzanne, pós-impressionista que impulsionou a arte do século XX. A cor é a prioridade, a figura surge entre o jogo de cores sem preocupação realística, remetendo ao fauvismo. “Para mim o processo criativo é epifânico, assim como a obra concluída pode ser motivo de epifania para o observador. Espero que ao fruírem “Almas das ruas”, os observadores façam uma viagem nas memórias da nossa cidade”, completou a artista.


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Junto às pinturas são desenvolvidos paratextos trazendo peculiaridades sobre essas personalidades.


Paratextos das pinturas já desenvolvidas:

 

O vendedor de sonhos, 2021

Retrato de Nabuco

Acrílica sobre papel

30 x 21 cm


Sobre pintura, minhas escolhas partem das minhas experiências, ora como denúncias, ora como compartilhamento de memórias distantes de agora, mas vivas em mim e na comunidade onde nasci, Encruzilhada do Sul, uma pequena cidade de aproximadamente 25 mil habitantes. Ao meu ver, suas ruas tinham almas, e são estas que me interessam. Tio Nabuco é uma delas, o vendedor de sonhos (da Dona Malvina) também anunciava a programação do Cine Glória e a partida dos seus conterrâneos. Ia de esquina em esquina chamando a população para a despedida de alguém. Sim, falo da morte, mas não parecia assustadora anunciada por ele, talvez pela doçura e respeito com que exercia o seu ofício.


 

A benzedeira, 2021

Retrato de Tia Pretinha

Acrílica sobre papel

30 x 21 cm


Mau-olhado, rendedura a dor de amor, curava o cavalo e limpava a alma, abria os caminhos.

Três sextas-feiras, carvão em brasa, um copo d’água, a tesoura e a fé, instrumentos de trabalho. Se o carvão em brasa afundasse e a água turva ficasse, era mau-olhado, mas quem a procurava sabia que na última sexta, o carvão flutuaria em água límpida, e o mau-olhado estaria cortado.


Além de abrir caminhos, Tia Pretinha abria o carnaval nas ruas de Encruzilhada.


Com os passos já lentos, seu corpo frágil era levado pelo seu espírito guerreiro, ao som do batuque pelas ruas da cidade.


Oh abre alas que ela quer passar..


 

O carteiro, 2021

Retrato de Seu Florindo

Acrílica sobre papel de algodão

30 x 21 cm


O nome das ruas, o nome da gente, quem mais saberia de cor?


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Nos anos 70, em um tempo em que se ouvia falar: “extraviou-se uma carta!”, lá em Encruzilhada do Sul isso não acontecia. Seu Florindo, com zelo e seriedade, fazia a carta chegar ao seu destino — fosse notícia de morte, fosse notícia de vida, também tinha carta de amor e contas a pagar, às vezes aviso de conta vencida...


A rua ganhava vida à medida que as almas transitavam, era assim na minha cidade. As ruas de pedra ou de chão batido eram visitadas pelo carteiro Florindo — sua postura e passos firmes denunciavam o orgulho que sentia do seu ofício, cuja importância ele sabia bem. Da Vila Mariano da Rocha ao Lava-pés, a caminhada era longa, a responsabilidade era grande, carregava consigo tesouros. Sua mala não tinha chave, mas era muito bem cuidada, afinal, guardava os segredos da cidade... quem sabe até cartas de amores proibidos?


― Lá vem o Seu Florindo! — diziam alguns, ansiosos para receber as palavras guardadas em um envelope selado. E por falar em selos... a criançada o atormentava! Eu era uma delas.

― Seu Florindo tem um selo para me dar?

― Não crianças, vão brincar!


 

Sobre expor as pinturas, Gisela conta que ainda terá uma caminhada pela frente, pois esta série está em andamento, e participará de uma seleção internacional de arte, portanto, neste momento, não será possível uma exposição.


Canais para informações sobre os trabalhos:


Instagram: giselesperb

Página face: giselesperb


https://www.amazon.com.br/epifania-processo-criativo-quando-tempo-ebook/dp/B087HZ1C8N

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