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A METÁFORA DA GUANXUMA

Durante o percurso para uma cidade próxima de Encruzilhada, onde estou incumbida de ministrar um curso, penso na dificuldade de explicar alguns assuntos relativos a sentimentos e emoções e procuro uma maneira de fazê-lo com clareza. Busco uma fundamentação teórica. Não me satisfaz. Uma música como exemplo? Não lembro de nada. Um filme? Falta inspiração. Um exemplo de alguma celebridade? Nenhum. Enfim, desisto!


Mudo a direção dos meus pensamentos. Preciso limpar o meu jardim de novo, pois há algumas mudas de Guanxuma insistindo em crescer ali em meio à minha grama ou às minhas lavandas. Essa é uma luta antiga. Vocês talvez saibam que essa planta aprecia solos compactados, encontrados onde a pecuária extensiva predominava por muitos anos. Ela prejudica pomares e lavouras, reduzindo o rendimento, e comprometem a beleza dos jardins. E, pasmem, cada planta pode produzir 510 sementes (são quinhentas e dez mesmo, não é erro de digitação), as quais germinam tanto no claro quanto no escuro, na superfície ou a 5cm de profundidade. Ou, ainda, o pior, o mais grave, o mais desafiador, entram em dormência. Isto é, a danada da sementinha fica ali, quietinha, sem germinar, por anos, até que algum acontecimento no contexto a desperte e ela brote, forte e vistosa, no meu jardim.


Nas minhas primeiras aventuras de jardineira, eu as cortei. Cresceram mais fortes. Veneno não adianta, a estrutura fisiológica as protege. A única coisa que aliviou um pouco essa dor foi arrancá-las com a raiz e tudo, durante um longo período de chuvas, quando o solo amaciou. É preciso força, pois a raiz é profunda. Já arranquei mais de 5 mil Guanxumas. Melhorou muito, reduziu a incidência. Mas com frequência surge uma aqui, outra ali. Já entendi que será preciso conviver com o problema, seguir com ações pontuais a cada brotação. Tenho consciência de que elas estão ali, e desenvolvo, lentamente, o controle delas, sabendo que compartilharemos momentos nesta vida, até a morte. A minha, claro.


Eureka! É isso! Nossos abismos existenciais e sentimentais assemelham-se à Guanxuma. Nascem de alguma experiência forte o suficiente para ancorar crenças e pensamentos tomados como verdades que se farão presentes por toda a nossa vida. Apresentam raízes tão profundas que às vezes antecedem o nascimento da criança. Eventualmente, em algum cenário um pequeno detalhe nos remete àquela experiência, e a dor pode ser revivida. Grande parte das pessoas passa a vida inteira sem consciência dessa repetição. E a menor parte, que adquire essa consciência, tenta muitas vezes arrancar o mal pela raiz. Como no caso da Guanxuma, a incidência diminui, mas alguma sementinha em dormência fará o sentimento brotar novamente. Então temos que fazer o manejo. Conviver com essa realidade até a morte. Já sabemos o nome dela, o nome dos envolvidos na dor, mas ela continua lá. Faz parte da nossa história.


Sabendo disso, é mais fácil não deixar a Guanxuma crescer!!!


 

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